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Diante de desigualdade de acesso a atendimento, líder comunitário fala em carnificina nas favelas

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O Globo

O abismo que envolve o enfrentamento da pandemia se reflete de maneira clara em um aspecto fundamental: a capacidade de diagnóstico. Há diferença abissal no acesso de pobres e ricos aos testes. No Capão Redondo, bairro da periferia de São Paulo que já soma 46 mortes por coronavírus (7º no ranking da cidade), líderes comunitários relatam descaso e falta de exames.

Segundo Gilmar de Souza, presidente da Associação de Moradores do Jardim Valquíria, seus vizinhos estão sendo testados “praticamente dentro das ambulâncias, quando já saem quase entubados”:

— Quando chegamos à Unidade Básica de Saúde, mandam voltar para casa, tomar dipirona para baixar a febre. Dizem que não tem teste. Quando contamos com a boa vontade de alguém, o resultado demora 20 dias. O mundo vai conhecer a maior carnificina dentro das favelas por causa do abandono do poder público.

A orientação para voltar para casa após procurar uma UBS também foi uma realizade para José Germano, de 69 anos, morador do Jardim Helian, no Iaquera, Zona Leste de São Paulo. Com tosse e coriza, o ex-presidente da associação de moradores do bairro foi medicado e voltou para casa. Três dias depois, a respiração passou a ficar ofegante. Germano foi com o filho à UPA 26 de agosto. Estava com baixa saturação de oxigênio, e um raio-X do tórax indicou quadro do novo coronavírus. Foi quando a família se assustou.

— Meu pai ficou na UPA com máscara de oxigênio, enquanto aguardava transferência para um hospital. Dois dias depois, foi para o Planalto (Hospital Municipal Prof. Dr. Waldomiro de Paula). Continuou no oxigênio, em um leito intermediário. Depois, nosso contato passou a ser com os médicos. Ele ficou isolado — conta o filho, Renato.

O quadro agravou dois dias depois, e José Germano teve de ser entubado. Faleceu na segunda-feira. Até o velório, a família ainda não tinha recebido confirmação do diagnóstico. Germano era hipertenso e tomava remédios para pressão. Na terça, diz Renato, a mãe recebeu uma ligação de autoridades da saúde que informaram que um teste para Covid-19 feito durante a internação tinha dado positivo.

– Ele foi bem atendido onde passou. Mas o pulmão degradou muito rápido. Agora estamos correndo atrás de um teste para minha mãe, meu irmão e eu, que convivemos na mesma casa com ele. A escassez do exame é grande. E pagar custa caro – diz Renato.

Segundo ele, a família segue em isolamento em casa, e não apresenta sintomas. Mas querem fazer o exame por segurança, principalmente da mãe, que tem 72 anos.



Sérgio Lima, líder comunitário no Jardim Helian, diz que na periferia se perde muito tempo sem poder confirmar o diagnóstico:

— Não existe informação precisa. Estamos contando com a sorte — diz Lima. — O prefeito diz que vai aumentar o número de covas no Itaquera. É estranho saber de tantos casos, e a solução ser o cemitério. Onde está o hospital de campanha para a Zona Leste?

Desigualdade

Para o geógrafo Ricardo Barbosa da Silva, professor do Instituto das Cidades, no campus Zona Leste da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o avanço da epidemia para as periferias de São Paulo exacerba uma desigualdade que já se fazia notar nos grupos mais vulneráveis.

– Esse é um vírus que veio da natureza, mas as questões sociais, espaciais, econômicas, política e culturais de cada país e lugar dão a ele uma característica diferente. Apesar de dizerem que ele não escolhe classe social ou território, os dados mostram que ele é mais letal para as áreas mais vulneráveis e periféricas, que já trazem outras combinações de desigualdade – afirma o professor, que defende maior regularidade e amplitude na divulgação das informações sobre a epidemia nessas regiões por parte da prefeitura.PUBLICIDADE

O detalhamento desses dados, diz Silva, é essencial na elaboração de ações emergenciais nessas áreas.

A saga também é vivida em Paraisópolis, uma das maiores favelas da capital. Lá, moradores juntaram dinheiro para comprar 2 mil exames.

— É dinheiro da própria comunidade, de governo aqui não tem nada — lamenta Gilson Rodrigues, um dos líderes da região.

Testes VIP

Diferença social na pandemia: Clínica Cura coleta material para teste de Covid-19 em drive-thru. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Diferença social na pandemia: Clínica Cura coleta material para teste de Covid-19 em drive-thru. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Até poucos dias, a ordem em São Paulo era testar apenas casos graves e profissionais de saúde. Na quinta-feira, no entanto, o governo anunciou a ampliação do programa e prometeu fazer 27 mil testes a cada um milhão de habitantes.

Enquanto a periferia ainda aguarda essa nova leva, pelo menos dez laboratórios de São Paulo oferecem serviço VIP, como coleta em domicílio e até drive thru. Os exames custam de R$ 350 a R$ 470 e ficam prontos em até 48 horas.

Semana passada, o assessor financeiro Daniel Wainstein, de 50 anos, fez o teste de coronavírus sem nem precisar sair do carro. Ele e o pai de 87 anos se examinaram em um drive thru na região do Jardins por precaução, depois que o pai passou dias internado em um hospital para se tratar de problemas cardíacos.

— Fizemos um cadastro assim que chegamos. De dentro do carro, baixamos a janela, vieram quatro profissionais com tubos de ensaio que tinham nossos nomes, colheram material do nariz e da garganta e fomos embora. Um negócio realmente muito rápido. Usei meu celular para pagar, então nem precisei encostar o dedo na máquina para digitar a senha — conta Wainstein.

Apesar da comodidade em conseguir realizar o teste ao lado do pai, o assessor lamenta a dificuldade da população em ter acesso a uma saúde pública eficaz.

– O vírus é democrático, mas o serviço à saúde não é. Estamos pagando, hoje, o preço por uma concentração de renda exarcebada, políticas sociais ineficazes e desprezo do governo federal diante da seriedade desta pandemia – critica Wainstein.

Redação NES
Redação NES
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