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Conheça a história de Pai Jai

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Jailson José Pereira, nasceu em Salvador no dia 25 de janeiro de 1980. Filho de Geraldo Gonçalves Pereira e Isabel José Tomé, pode-se dizer que é nascido e criado no bairro da Santa Cruz, mais precisamente na rua da Esperança. Seu pai, iniciou a vida como feirante, foi motorista de ônibus e, posteriormente, de táxi. Já sua mãe, dona Isabel, trabalhou durante toda a vida como doméstica e balconista.

A infância foi pelas ruas do bairro. Jailson foi o que podemos dizer um menino “livre”, algo impossível nos dias atuais. “Era um menino solto. Vivia subindo e descendo essa Santa Cruz. As ruas da Santa Cruz ainda eram de barro, as casas ainda tinham quintal…Fui uma criança que teve infância de verdade. Brincava de fura-pé, pião, bola de gude, garrafão…”, lembra. Se não era rico, também não tem do que reclamar. Seus pais nunca deixaram que lhe faltasse nada. “De tudo o que uma criança precisa eu sempre tive em minha casa”, conta.  Estudou no Dionísio Cerqueira, no Carlos Santana e terminou o ensino médio no colégio Central.

Seus pais sempre foram de candomblé. Seu pai, inclusive, é ogã confirmado. Já sua mãe era mais voltada para a umbanda. Por sua vez, sua avó paterna, que morava numa casa ao fundo da sua, era zeladora de uma casa de umbanda. E foi ainda na infância que Jailson sentiu o que costumamos chamar de “primeiros sinais”. Eu comecei a rodar com o santo aos 11 anos de idade. Foi quando começou a surgir as primeiras manifestações em minha vida. Aquela coisa de passar mal, estar doente, dores de cabeça, sensação de desmaio, desmaiar na escola. Foi assim que o candomblé entrou em minha vida. Foi muito cedo. Minha avó paterna foi quem percebeu que não era nada de doença e me encaminhou para meu pai de santo”, lembra.  

Jailson foi então levado pela avó até o terreiro de Valdemar de Ógum, que nessa época funcionava no Areal e que, posteriormente, se mudou para o Engenho Velho da Federação. La suas manifestações começaram a ser doutrinadas. “Comecei a cuidar da minha espiritualidade. Tomei boris, ebós… Fui aprendendo sobre o candomblé, vivenciando nesses dois espaços: o terreiro do meu pai de santo e casa de umbanda de minha avo. Foi nessa fase que minha fé foi firmada…. Eu ainda não queria fazer santo porque sabia da responsabilidade. Eu queria continuar ali, indo em sessão, indo na roça… Mas não queria ter a responsabilidade de ser iniciado”, explica.  Dessa fase, ele guarda com carinho algumas passagens, principalmente as vividas na casa da avó. “Lembro bem que uma vez cheguei em sua casa e disse que estava com vontade de fumar charuto. Ela aí disse: “Não é você que está com vontade de fumar charuto nenhum, peraê que vou dar um jeito…” Só sei que ela foi, voltou e eu apaguei. Somente acordei três horas depois. Ela me virou de caboclo. Ela não dava um passo sem questionar ao orixá. Para tomar qualquer decisão ela virava a mim e aos filhos de santo dela. (risos). Chegava na casa dela sem nem imaginar que teria alguma coisa de santo quando acordava era duas três horas depois. Ela já tinha armado alguma coisa para poder me virar de caboclo e resolver algum problema dela ou de alguém”, lembra saudoso.

Apesar de ter iniciado a sua vida espiritual ainda cedo, Jai, como é carinhosamente chamado, ressalta que o candomblé não teve forte impacto na sua infância. Seguia o curso de vida normal, como de qualquer garoto da sua idade. Entretanto, na adolescência e início de juventude a coisa começou a mudar de figura, sobretudo, quando começou a ter noções de responsabilidade. “Daí me causou alguns transtornos… A questão de namorar, de sair e eu ter que está no candomblé. Já perdi uma pessoa na época que entrei para fazer minha iniciação, pois quando voltei a pessoa não estava mais à minha espera. Isso me deixou muito angustiado… Depois que fiz santo, quando tinha que ir para o candomblé e lembrava que eu poderia estar em alguma festa, em bebedeira, e ter que ir para roça era um martírio. Só Jesus na causa. Depois de tomar algumas porradas do santo eu consegui acordar para vida e perceber que tinha que cuidar do orixá”, conta.

Profissional – Se não descuidava das suas obrigações espirituais, Jai também não facilitava quando se tratava das suas responsabilidades com o que podemos chamar do “mundo lá fora”. Curtia, brincava, namorava…Mas, seguia firme nos propósitos que foram passados pelo seus pais, principalmente no que diz respeito aos estudos. Aos dezoito anos começou a trabalhar como balconista numa casa de material de construção. Daí não mais parou: trabalhou numa copiadora como arte finalista e, posteriormente, como auxiliar administrativo. Em paralelo seguia estudando… Formou-se em Recursos Humanos pela Faculdade Jorge Amado e há 19 anos trabalha na área. “O candomblé é minha religião e não é ela que vai dar o meu sustento. Nunca fui e nem serei um pai de santo que vai sentar e ficar em casa esperando entrar um cliente para poder fazer um jogo e botar um quilo de feijão no fogo. A religião me ajudou muito na minha vida profissional”.

Jai, explica ainda que a questão espiritual jamais interferiu no profissional, e vice-versa. Muito pelo contrário, como ele salienta: “O candomblé sempre me ajudou muito a entender a hierarquia, o respeita ao próximo, a saber lidar com a diversidade de pessoas…Hoje a área em que trabalho, que é de recursos humanos, também me dá esse suporte que e como saber conciliar o lado religiosa e cientifico”.

Feitura – E foi ainda na juventude, embora a contragosto, que Jai sacramentou, através da feitura do santo, a sua entrada na chamada “religião dos orixás”. De acordo com o hoje sacerdote, a iniciação foi “basicamente necessária”: “Eu fiz santo, a princípio, contra a minha vontade. Chegou uma época da minha vida em que as coisas lá do início começaram a voltar. Dores de cabeça, dores nas pernas… Acabou chegando ao ponto de meu pai dizer que tinha realmente chegado a hora de eu seu iniciado. Eu não queria de jeito nenhum, mas acabou, até pelo fato de eu ser uma pessoa obediente, que eu aceitei. Tinha 17 anos. Era uma época em que eu estava aprendendo a viver… Começando a trabalhar, tendo meu próprio dinheiro… Achava que podia fazer tudo, ir para qualquer canto e, as vezes, tinha que ir para roça. Mas fui preparado para isso por meu pai de santo”. Nove anos depois, em 2006, Jailson se tornou “Pai Jai”. Cumpriu a obrigação de sete anos e recebeu o direito de exercer o cargo de zelado de santo.

Caboclo – O caboclo Boiadeiro entrou na vida de Jailson ainda na adolescência. Participava das sessões de Sutão das Matas na casa de sua avó. Posteriormente, em 2006, já com nove de anos de santo o caboclo começou a cobrar a realização das suas próprias sessões. “Foi ai que comecei as sessões aqui dentro da minha casa. Isso em 2007. Inclusive, meu primeiro iaô ele começou a frequentar minha casa ainda nesse tempo”.   Nessa época também seu pai de santo, Valdemar, já cobrava que o filho de santo arranjasse um espaço para fazer sua casa de candomblé, como ainda não se sentia preparado para a empreitada, Jai ia empurrando com a barriga… “Quando foi em 2012 meu caboclo chegou aqui em casa e falou: “ele não quer comprar a casa do candomblé não ne? Diga que ele tem um mês para subir a casa dele lá para cima porque daqui a um mês vou voltar aqui e essa parede eu vou derrubar. Vai fazer aqui o candomblé”. Minha  casa de candomblé surgiu assim.  Me mudei em um mês em uma correria absurda. Vim morar aqui em cima, não tinha nada. Com exatamente um mês consegui estar na casa onde resido hoje, no segundo andar. E o caboclo realmente voltou e mandou os ogãns derrubarem a parede. Me programei para em cinco anos comprar um terreno e sair. É o que aconteceu hoje e em breve o terreiro irá para Boca da Mata. Aqui já não tem mais espaço. Em 2013 derrubou e 2014 já comecei a tocar candomblé aqui”.

Intolerância – Figura doce e de fino trato, Pai Jailson sai do sério quando o tema e o preconceito e a intolerância religiosa. “Já fui vítima de intolerância religiosa dentro do bairro, inclusive dentro da minha própria rua onde um vizinho chegou ao ponto de tentar me agredir. Já sofri intolerância uma vez que fazia um despacho, um padê de Exu aqui na minha porta. Esses mesmo vizinhos vieram aqui dizer que estávamos fazendo macumba para acabar com a vida deles. No demais, antes eu subia e descia o bairro e não via esse preconceito. Hoje já não sei mais como funciona isso…Apesar disso tudo ainda acho um Nordeste de Amaralina um bairro tranquilo para se viver dentro dessas diferenças”.

Candomblés do Nordeste – Antigo frequentador dos terreiros do Nordeste de Amaralina, Pai Jailson ressalta o respeito como a maior diferença entre os terreiros de hoje e os de outrora: “

Eu via mais respeito, mais fé, mais união… As pessoas iam para ver orixá. A diferença entre os candomblés de hoje e antigamente é que antes você ia para casa de fulano passar o dia e ajudar. Não estava indo lá pegar o axé dos outros ou queimar a casa de fulano. Você via a presença do orixá. Não que hoje não tenha, mas os candomblés do Nordeste eram muito mais emocionantes”.

O pai de santo lamenta também o pouco acesso a que se tem hoje ao Parque Joventino Silva, mais conhecido como Parque da Cidade. De acordo com ele o povo-de-santo do bairro teve cerceado o seu direito de usufruir desse importante “espaço sagrado” da comunidade: “Hoje muita coisa se perdeu por conta do acesso ao Parque da Cidade. Ali era um refúgio para o povo do axé. Não tinha folha que você não conseguisse ali. Todos os tipos de folhas, das mais quentes as mais frias. Você tinha acesso tranquilo para fazer os seus trabalhos e arriar seus ebós. Hoje, a gente já não tem mais esse acesso. Hoje, uma boa parte das folhas que a gente usa temos que comprar. O mais básico a gente ainda consegue encontrar e quando a polícia deixa a gente colher algumas ervas no Parque da Cidade”.

E Oxumarê, qual o significado desse importante divindade do panteão africano na vida de Pai Jai. “Meu Orixa é Oxumarê. Para mim Oxumarê é tudo. É o ar que eu respiro, o alimento que eu como, a roupa que eu visto, meus batimentos cardíacos, meus pensamentos, minha lagrima, meu sorriso… Em tudo. Eu entreguei literalmente minha vida a ele.  Tem um significado fora do normal porque ele é mais do que o meu orixá . É meu guardião, meu pai, meu amor maior. Me emociono quando falo dele”. A Run Bobo, Pai Jai!

Tiago Queiroz
Tiago Queiroz
Graduado em Comunicação/Jornalismo, e exerce as funções de Editor e Coordenador de Jornalismo do Portal NORDESTeuSOU

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