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Jovem administrador leva no peito mensagens por uma nova masculinidade

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O pequeno trecho do poema de Daniel Lira, 38 anos, aborda um tema que ganhou as ruas de Salvador nos últimos meses e promoveu debates nas redes sociais: a masculinidade tóxica. Desde criança, Daniel sempre conviveu com mulheres. Até na escola fazia aulas de educação física com as meninas. Não gosta de futebol e nunca jogou uma partida do esporte mais popular entre os homens. “Eu brincava de casinha, sempre no papel do pai”.

Os tios diziam que quando ele crescesse seria gay.  “Foi com eles, meus tios, e os poucos amigos homens que tive, foi com eles que aprendi o que era ser macho”. O padrão de masculinidade vigente sempre incomodou muito Daniel, que nunca teve dúvidas sobre sua sexualidade, mas se sentia um “peixe fora d’água” por discordar do estereótipo do ser macho.

Único homem da família, irmão de duas mulheres, criado pela mãe e pela avó, Daniel Lira diz que não teve referência masculina direta. Lembra do avô, um homem sério, reservado, que morava no interior. O pai de Daniel abandonou a mãe dele e ele pouco tinha contato. “Quando ele morreu, eu só vim saber um mês e 20 dias depois”, diz.

Administrador de empresas, com formação para o agronegócio, Daniel trabalhou por dez anos com comunidades tradicionais (quilombolas e indígenas). A última delas, a comunidade quilombola de Rio dos Macacos, em Simões Filho, marcada por conflitos. A experiência do trabalho junto às comunidades intensificou em Daniel um aspecto já marcante de sua personalidade: a sensibilidade. A relação dos povos tradicionais com a natureza, na preservação da cultura local e no trato com o outro funcionou como um “gatilho”, explica o administrador, chamando a atenção para os benefícios de uma vida mais harmoniosa em que a sensibilidade não seja considerada um defeito ou fragilidade.

Daniel começou a estudar sobre masculinidades como autodidata. A pretensão agora é cursar psicologia. Para o administrador de empresa, a campanha de combate à masculinidade tóxica, lançada pelo Governo da Bahia, foi a abordagem mais assertiva que ele já viu sobre o tema. Daniel Lira diz que temia o uso do termo como apenas mais um modismo, em substituição ao machismo. “Eu temia que o termo fosse um eufemismo para não falarmos sobre machismo, que não pode ser esquecido. A campanha de vocês vai no âmago da questão: antes do machismo, a masculinidade tóxica”, ressalta

Uma nova masculinidade

Ao tomar consciência dos malefícios do padrão vigente de masculinidade, que considera a agressividade uma virtude dos machos e a sensibilidade, como fragilidade e, logo, uma característica feminina, Daniel começou a pensar em atuar para desconstruir essas supostas verdades. Ao entrar em uma página de relacionamentos nas redes sociais de negros e negras, as mulheres que faziam parte do grupo começaram a questionar o comportamento masculino. “Tudo começou a partir do questionamento de mulheres negras, periféricas. A mulher negra começou a cobrar, elas passaram a estudar muito mais do que os homens. As mulheres negras são agredidas, são as principais vítimas da violência doméstica e familiar”.

Os homens que faziam parte do grupo procuraram Daniel porque o consideravam o mais próximo do que seria o novo homem. Foram para um barzinho discutir o tema. Logo depois um dos amigos adoeceu. “As discussões acabaram despertando o autocuidado, a autodefesa. Todo mundo falou à vontade e um dos nossos amigos surtou. Compreendi que o tema era muito complexo”.

Daniel foi estimulado a fazer oficinas abordando o assunto. Ele promove rodas de diálogo em escolas, interage com estudantes, por considerar que a masculinidade tóxica é aprendida desde a infância e o processo de desconstrução não se dá de uma hora para outra. Daniel não parou nisso. Ele agora confecciona camisetas com trechos de poemas, frases que estimulam uma nova masculinidade.

Uma das camisetas da primeira coleção, batizada de “resiliência” traz a frase: sensível ao mundo. “A nossa geração não vai ver esse homem desconstruído. Mudar exige uma vigilância constante e o homem está numa posição confortável, mas é preciso mudar essa sociedade patriarcal”. E é sem medo dos sentimentos, de parecer um homem sensível, que Daniel segue propondo uma nova masculinidade.

Redação NES
Redação NES
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