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Coronavírus: As pessoas não estão dando importância’, desabafa enfermeira

Published:

Por: Crescer

Muitas pessoas estão se dando conta só agora de como a vida mudou por conta da chegada do coronavírus ao Brasil. Muitas pessoas ainda nem se deram conta. Mas há uma parte da população que não teve nem tempo de pensar e precisou lidar de cara com uma realidade totalmente nova – e muito arriscada. Os profissionais de saúde seguem encarando diariamente o contato com infectados.  

Conversamos com uma enfermeira, que trabalha em uma grande rede de hospitais na cidade de São Paulo e tem uma filha de 4 anos, além de pais idosos. O marido dela também é enfermeiro, mas da rede pública, e a rotina deles, que já era atribulada, precisou (e ainda precisará) sofrer sérias mudanças desde a chegada do Covid-19 ao país e, especificamente, a São Paulo. 

Confira o depoimento na íntegra:

As pessoas não estão dando importância. O coronavírus contamina demais, é muito fácil pegar. O que me assusta mais é a quantidade de profissionais da área da saúde que estão se contaminando, por mais que a gente use todas as formas de barreira. Sou enfermeira, atualmente trabalho no setor de clínica médica cirúrgica.

Trabalho em um hospital de grande porte, em São Paulo, que aumentou a disponibilidade de leitos de UTI, reduziu o número de cirurgias e estão aumentando bastante a contingência de pessoas. Foi aberta a opção de fazermos hora extra para tentar assumir esta demanda. É um hospital de grande porte, de rede, está muito bem estruturado. Fizeram um plano de ação no pronto-socorro. Quando chega um paciente com sinais de gripe e suspeita de corona, ele já é isolado na entrada. Existe uma pessoa fazendo essa triagem. Ela já oferece a máscara para o paciente e ele ja fica em isolamento. Os casos de internação estão sendo raros. É só quando apresenta alguma gravidade.

Alguns pacientes, dependendo da situação, ficam em isolamento domiciliar. Nesses casos, o hospital liga para o paciente cerca de três vezes por dia para saber como ele está se comportando na própria residência, porque existe uma preocupação para essa pessoa entender que está sob vigilância, mesmo enquanto aguarda o resultado do exame, e que não é para sair, que esse afastamento é sério. É para ficar em casa.

A minha vida mudou bastante. Tenho estado muito preocupada. Não comigo, muito pelo contrário. Eu me sinto, assim, uma forma de esperança para as pessoas. Eu entendo o grau da minha importância nesse momento, a vontade de trabalhar até aumenta. Eu sei que posso fazer a diferença e contribuir para a melhora das pessoas. Em contrapartida, sou mãe, tenho uma pequenininha de 4 anos, então, zelo muito por ela. A minha ideia é fazer um próprio isolamento.

Estou me preparando para o que vai acontecer nos próximos dias, para me isolar dela e de todos da minha familia, dos meus pais, porque a chance de eu contaminá-los é muito grande. A nossa ética profissional aflora muito nesse momento. Fiz um juramento, em que prometi muita coisa com relação ao cuidado do próximo e, agora, isso se faz muito forte.

Apesar do desespero, a gente fica com muita vontade de trabalhar e ajudar, mas me chateio muito em ver que as pessoas não estão seguindo o que é pedido. Poxa, eu estou lá arriscando a minha vida, a vida da minha familia, por essas pessoas que não querem tomar atitudes simples, que é só se isolar o máximo que puder, ter bom senso. A gente pede um pouco de bom senso, não estamos pedindo mais nada. Isso gera uma certa revolta em mim. 

Meu marido e minha irmã também são enfermeiros, mas na rede pública. Tenho sofrido muito pensando neles. Eu estou lá no hospital top de linha, que tem tudo. Já a situação na rede pública é um pouco complicada. A gente sabe que faltam coisas.

Algo que tem deixado nós, profissionais, muito aflitos é saber que a maioria dos casos dos quais a gente fica sabendo, de pessoas hospitalizadas, são os próprios profissionais que estavam cuidando, fazendo o próprio trabalho, tiveram contato com o corona e estão doentes. Isso está  pesado. A gente se olha no hospital e fica pensando: o que será de nós?

Hoje estou arrasada porque um funcionário que trabalha na limpeza do hospital, que tem a minha idade, chegou com sintomas de coronavírus e foi piorando até ser entubado. Ele não tem nenhuma comorbidade. Que sofrimento é a insuficiência respiratória causada pelo coronavírus!

Ao contrário das pessoas que podem se isolar e ficar quietas, não. Nós temos que ir lá e dar de cara com o ‘bicho’. Existem todas as precauções, mas, o que temos visto é que, mesmo assim, o contagio é inevitável. Esses dias, vi um vídeo das enfermeiras na Itália, todas machucadas. Aquela máscara N95, você quase não respira e tem que ficar com aquilo no rosto por todo o seu plantão. Não é fácil. A gente não reclama, muito pelo contrário. Queremos ajudar as pessoas, mas acho que o sentimento é que todo mundo deveria pensar com carinho nas orientações porque não é brincadeira, ninguém está brincando. 

Não sei se vou aguentar ficar sem ver minha filha e isso está me matando, mas vou ter que ficar enquanto tiver contato com o corona. Enquanto eu tiver contato, tenho risco de contaminá-la. Ainda não fiquei sem vê-la porque ainda não tive contato direto.

A mensagem que todos nós profissionais queremos deixar é para que as pessoas não vão ao hospital desnecessariamente, façam o isolamento, intensifiquem a higiene das mãos. Dá vontade de sair gritando para o mundo, pedindo essas atitudes simples, porque se Deus quiser, se a gente combater isso logo, vai ser por pouco tempo. Se a gente parar de contaminar as pessoas, vai dar esse boom e vai regredir. A China e a Itália demoraram para conseguir entender o que tinha que ser feito. Então, deu no que deu. Estamos com a oportunidade de fazer diferente, de precaver antes para não tomar a proporção que tomou nesses países, mas parece que o povo não quer entender, não respeita.

Enquanto profissional, tenho muito orgulho de poder participar, de contribuir com a melhoria da vida das pessoas, mas além de eu ser profissional, também sou mãe, tenho uma filha, um pai, uma mãe. Zelo por eles e provavelmente tenha que me sacrificar de ficar longe para poder poupá-los. Isso não é facil, mas sei que é o que se faz necessário.

Além disso, o valor que recebemos por nos arriscarmos a esse ponto é ridículo, a taxa de insalubridade é uma porcentagem do salário minimo. Poderiam olhar para os profissonais de saúde com outro olhar e valorizar mais, tanto financeiramente, como quanto ao respeito. Em um momento desses, onde vemos que o dinheiro não serve de nada, que o mais importante é ter saude, gostaria que as pessoas tivessem um pouco mais de consideração com o profissional de saúde”.

Roberta*, 34, enfermeira de uma rede particular de hospitais em São Paulo.

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.

Redação NES
Redação NES
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